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Fachada da nova Igreja Adventista do Sétimo Dia "Nova Semente", acima, o símbolo da igreja tradicional. |
Recentemente, quando voltava da universidade, um amigo de longas datas me ofereceu carona, que claro, aceitei. Afinal, economizar é uma missão de cada universitário que depende, por exemplo, do transporte público.
No trajeto, falamos dos velhos tempos, perguntei-lhe sobre seus familiares e finalmente, sobre a igreja da qual faz parte e da qual também, um dia fui membro atuante.
Foi quando ele me fez uma pergunta que me deixou curioso: você já ouviu falar da Nova Semente? Eu respondi que não, estava tão desatualizado desse mundo sacro, que emendei umas perguntas: é o que? Mais uma denominação protestante chegando à cidade? Você está deixando sua igreja antiga?
A resposta dele foi intrigante: “não, é o nome da nova congregação Adventista do Sétimo Dia que está sendo construída em uma área nobre da cidade!” Fiquei em silêncio por alguns instantes, sem entender direito o que estava ouvindo, depois pedi que me falasse mais sobre aquilo tudo. Ele foi me explicando que a tradicional Igreja Adventista do Sétimo Dia estava com uma nova proposta de evangelização, decidiram que, se quisessem ganhar a chamada classe “A” da sociedade brasileira, deveriam dar uma nova roupagem no seu modelo de culto, suas músicas, suas pregações, a estrutura física do templo e por aí vai.
Para mim foi um desses momentos em que pude perceber como o estudo das ciências sociais é importante, especialmente, neste caso, a sociologia. Esta ciência consegue quase que instantaneamente nos situar diante de uma notícia destas, especialmente quando você conhece toda a proposta de um grupo social, que é o meu caso, pois durante muito tempo conheci de perto a organização Adventista do Sétimo Dia.
No trajeto, falamos dos velhos tempos, perguntei-lhe sobre seus familiares e finalmente, sobre a igreja da qual faz parte e da qual também, um dia fui membro atuante.
Foi quando ele me fez uma pergunta que me deixou curioso: você já ouviu falar da Nova Semente? Eu respondi que não, estava tão desatualizado desse mundo sacro, que emendei umas perguntas: é o que? Mais uma denominação protestante chegando à cidade? Você está deixando sua igreja antiga?
A resposta dele foi intrigante: “não, é o nome da nova congregação Adventista do Sétimo Dia que está sendo construída em uma área nobre da cidade!” Fiquei em silêncio por alguns instantes, sem entender direito o que estava ouvindo, depois pedi que me falasse mais sobre aquilo tudo. Ele foi me explicando que a tradicional Igreja Adventista do Sétimo Dia estava com uma nova proposta de evangelização, decidiram que, se quisessem ganhar a chamada classe “A” da sociedade brasileira, deveriam dar uma nova roupagem no seu modelo de culto, suas músicas, suas pregações, a estrutura física do templo e por aí vai.
Para mim foi um desses momentos em que pude perceber como o estudo das ciências sociais é importante, especialmente, neste caso, a sociologia. Esta ciência consegue quase que instantaneamente nos situar diante de uma notícia destas, especialmente quando você conhece toda a proposta de um grupo social, que é o meu caso, pois durante muito tempo conheci de perto a organização Adventista do Sétimo Dia.
Para entender essa “nova roupagem” da fé Adventista, é necessário mergulhar um pouco no mundo pentecostal e entender como surgiu o neopetencostalismo, especialmente no Brasil.
O sociólogo Ricardo Mariano, pesquisou durante muito tempo esses movimentos religiosos no Brasil, e, em seu livro “Neopentecostais: sociologia do novo pentecostalismo no Brasil”, Edições Loyola, 1999, ele analisa que no Brasil da década de 1930 em diante, os pentecostais enfatizavam que sua proposta era ajustar e integrar uma classe social que estava, muitas vezes à margem do desenvolvimento do país, vivendo com baixos salários, em péssimas moradias e condições de saúde para lá de temerosas.
Neste tempo, no Brasil, acontecia um grande fluxo migratório de famílias que saiam da zona rural para os centros urbanos, muitas vezes iletrados, sem profissão que fosse útil na cidade, ou que ao menos garantisse um salário mais digno, somando ao rápido processo de urbanização destas cidades, para os pesquisadores, isto muito favoreceu o êxito pentecostal no que pode ser chamado de contexto urbano-industrial.
E quais eram as suas poderosas armas? Solidariedade entre os irmãos de fé, auxílio mútuo, ressocialização, reorientação de conduta concomitante com a revisão de seus valores e sua interpretação de mundo que agora, deveriam estar de acordo com preceitos bíblicos impostos pela comunidade sectária. Uma situação que implicava em o individuo levar uma vida fortemente contracultural, sectária e ascética, algo como rejeição e desvalorização do mundo, o que fez com que, como nos indica Weber, quando se refere ao mundo como habitat de todos os homens e que, portanto, estão sujeitos a todas as suas tentações, os indivíduos pentecostais para se ver “protegidos” deste mundo, criaram para si, verdadeiros mosteiros (igreja e casa) e neles se fechando, saindo apenas para trabalhar, para ganhar o pão.
Isto, que durante os primeiros 40 anos do pentecostalismo não representava problema algum, uma vez que seus membros eram na grande maioria, oriundos das camadas mais pobres da sociedade e, por isso mesmo, acostumados com uma vida simples.
A partir de meados dos anos 1970 esse modus vivendi passou a ser um entrave no crescimento e desenvolvimento do pentecostalismo no Brasil. Membros destas igrejas ascéticas perceberam que, em um mundo capitalista, em uma sociedade de consumo, continuar exigindo que os fiéis se distanciassem das boas coisas que o mundo oferece, como conforto, riqueza, lazer, moda, ritmos e cores, achando que isto tudo é tentação e pecado, não era saudável para o seu propósito de crescimento no país, a partir deste momento e a partir da releitura estadunidense da religião pentecostal, surge e desenvolve-se de modo explosivo o neopentecostalismo no Brasil, que como escreveu Mariano (1999: 221) “transformou as tradicionais concepções pentecostais acerca da conduta e do modo de ser do cristão no mundo”.
Para o neopentecostalismo, ser cristão tornou-se o meio primordial para permanecer liberto do Diabo e obter prosperidade financeira, saúde e triunfo nos empreendimentos terrenos, ou seja, manter uma boa relação com Deus passou a significar o mesmo que se dar bem na vida.
A diferença então do crente pentecostal para o crente neopentecostal para encurtar nosso papo, é que, o primeiro grupo continua com uma postura tradicional sectária e ascética, embora já com certas permissividades, enquanto o segundo grupo passou a estabelecer sólidos compromissos com o mundo, com seus valores hedonistas, com seus interesses materialistas e com seus prazeres.
Veja, no entanto que, o neopentecostalismo não abriu mão totalmente das vertentes pentecostais, continua com suas funções nomizadoras e mantém ferrenha luta contra o Diabo, contra a carne e o mundo. Mas é inegável que o fervor apocalíptico desses religiosos esfriou, embora continuem acreditando no segundo advento do Cristo, quando acreditam que serão arrebatados aos céus para viver eternamente com Deus.
Voltando então à “nova roupagem adventista” com sua Nova Semente”, o que vemos, ao observar o que acontece no seio da igreja, é que, com o rápido desenvolvimento da tecnologia, permitindo que o conhecimento se alastre de forma veloz e fácil, com o despertar das pessoas, especialmente membros de uma igreja que tem características ascéticas e fundamentalistas, e que se tornaram críticos e exigentes, a própria sociedade brasileira com sua nova classe média tendo acesso mais fácil a processos de conhecimento coloca na berlinda determinadas formas de pensar e liderar.
A igreja então se viu num momento semelhante ao pentecostalismo dos anos 1970, estagnou-se apesar dos esforços evangelísticos empreendidos, basta analisar o resultado do último senso do IBGE, como o crescimento do adventismo no Brasil chegou às raias da insignificância, em algumas regiões chegou mesmo a regredir.
Ficou claro para a liderança desta igreja, que se manter distante da nova realidade social é o mesmo que assinar um atestado de óbito. No entanto, como mudar organicamente uma igreja secularmente tradicional e fundamentalista? Ou seja, era de fato, um beco que aparentava sem saída.
Se causaria escândalo implantar dentro de uma instituição com estas características um novo modelo e uma nova concepção de adoração a Deus, fazer isto de modo paralelo, poderia ser menos danoso e com isso surge, com status de salvadora da pátria, com um nome bastante sugestivo a “Nova Semente”, que na compreensão sociológica nada mais é do que o neoadventismo.
Mas notem, no caso do neopentecostalismo ele não surgiu coexistente com o pentecostalismo. Não no sentido tempo e espaço, ele surgiu de dissidentes que perceberam: o modelo pentecostal de praticar religião não conseguiria manter na nova realidade social, seu crescimento avassalador como foi nos anos 1930-70. Mas no adventismo, o neoadventismo surge de modo orgânico, e por isso é estranho e causa confusão em boa parte de seus membros, muitos deles nascidos e crescidos no sistema tradicional, ou seja, não é simples para estes membros aceitar que nesta nova Igreja Adventista, haverá um nível de liberalidade nunca antes visto na história da igreja, pelo menos no Brasil, e principalmente, a proposta de ser uma congregação destinada para a classe “A” da sociedade, isto é demais para membros que cresceram acreditando em um Deus que não faz acepção de pessoas e que não está interessado em suas riquezas mas sim, em seu coração. Ainda que a liderança diga que esta é uma experiência evangelística inovadora e importante para a própria manutenção da igreja no sentido de existência.
A igreja então se viu num momento semelhante ao pentecostalismo dos anos 1970, estagnou-se apesar dos esforços evangelísticos empreendidos, basta analisar o resultado do último senso do IBGE, como o crescimento do adventismo no Brasil chegou às raias da insignificância, em algumas regiões chegou mesmo a regredir.
Ficou claro para a liderança desta igreja, que se manter distante da nova realidade social é o mesmo que assinar um atestado de óbito. No entanto, como mudar organicamente uma igreja secularmente tradicional e fundamentalista? Ou seja, era de fato, um beco que aparentava sem saída.
Se causaria escândalo implantar dentro de uma instituição com estas características um novo modelo e uma nova concepção de adoração a Deus, fazer isto de modo paralelo, poderia ser menos danoso e com isso surge, com status de salvadora da pátria, com um nome bastante sugestivo a “Nova Semente”, que na compreensão sociológica nada mais é do que o neoadventismo.
Mas notem, no caso do neopentecostalismo ele não surgiu coexistente com o pentecostalismo. Não no sentido tempo e espaço, ele surgiu de dissidentes que perceberam: o modelo pentecostal de praticar religião não conseguiria manter na nova realidade social, seu crescimento avassalador como foi nos anos 1930-70. Mas no adventismo, o neoadventismo surge de modo orgânico, e por isso é estranho e causa confusão em boa parte de seus membros, muitos deles nascidos e crescidos no sistema tradicional, ou seja, não é simples para estes membros aceitar que nesta nova Igreja Adventista, haverá um nível de liberalidade nunca antes visto na história da igreja, pelo menos no Brasil, e principalmente, a proposta de ser uma congregação destinada para a classe “A” da sociedade, isto é demais para membros que cresceram acreditando em um Deus que não faz acepção de pessoas e que não está interessado em suas riquezas mas sim, em seu coração. Ainda que a liderança diga que esta é uma experiência evangelística inovadora e importante para a própria manutenção da igreja no sentido de existência.
Trocando em miúdos, se analisarmos de modo biológico, como fez Durkheim ao buscar entender o funcionamento da sociedade, a igreja “Nova Semente” é andrógena, uma vez que faz parte da igreja tradicional, mas ao mesmo tempo nega, ou ao menos, esconde sua origem, fazendo muitas coisas contrárias ao tradicionalismo. Diremos então que há aí uma esquisitice.
Se trocarmos mais em miúdos ainda, esta nova identidade adventista se vale do engodo, a primeira, e é triste só em pensar, a de deixar evidenciado para seus quase 30 milhões de membros ao redor do mundo, membros estes tradicionais, que tudo que viram e ouviram ao longo de suas vidas foi um equívoco, na verdade a verdadeira forma de se adorar a Deus é esta que agora é apresentada, ou seja, foram enganados.
A segunda, não menos negativa é que os novos membros ricos que farão parte da “Nova Semente” serão posteriormente encaminhados para o formato de culto tradicional, modelo que a igreja acredita, é a verdadeira forma de adorar a Deus, ou seja, também serão enganados...bom, é melhor dizer: catequizados!
Se trocarmos mais em miúdos ainda, esta nova identidade adventista se vale do engodo, a primeira, e é triste só em pensar, a de deixar evidenciado para seus quase 30 milhões de membros ao redor do mundo, membros estes tradicionais, que tudo que viram e ouviram ao longo de suas vidas foi um equívoco, na verdade a verdadeira forma de se adorar a Deus é esta que agora é apresentada, ou seja, foram enganados.
A segunda, não menos negativa é que os novos membros ricos que farão parte da “Nova Semente” serão posteriormente encaminhados para o formato de culto tradicional, modelo que a igreja acredita, é a verdadeira forma de adorar a Deus, ou seja, também serão enganados...bom, é melhor dizer: catequizados!
Do ponto de vista da sociologia, os líderes da Igreja Adventista precisam tomar muito cuidado, pois a depender de como a ideia chega aos seus membros, pode surgir na sociedade, pelos menos entre os fiéis adventistas, um caso de apartheid religioso protestante escancarado numa sociedade de desigualdade social. Quando é possível pensar no quadro que se pinta: “igreja para rico” X “igreja para pobre”.
Bom, para mim, fica aquela certeza impávida, nosso bom e velho Max Weber tinha razão quando escreveu: “Do ut dês é o dogma fundamental, por toda parte. Esse caráter inere à religiosidade cotidiana e das massas de todos os tempos e povos e também de todas as religiões. O afastamento do mal externo e a obtenção de vantagens externas, ‘neste mundo’, constituem o conteúdo de todas as ‘orações’ normais, mesmo nas religiões extremamente dirigidas ao além’ (Weber, 1991:293).
E para fechar, um texto publicado pelo jornalista José Simão, na Folha de São Paulo em 1/10/1991. “E a melhor piada do fim de semana foi a do Chico Anysio na ‘Escolinha do Professor Raimundo’. Um cara tava na frente de uma dessas igrejas de crente e a mulher falou: entre, meu irmão. E o cara responde: ‘não posso, tô duro’”.
Definitivamente, no olhar dos teólogos modernos, mais do que nunca, Deus é cada vez mais capitalista! E ele tem preferência pelos endinheirados, tanto que os trata bem melhor que os pobres coitados. É como dizia Salomão: “Tudo é vaidade”.
E para fechar, um texto publicado pelo jornalista José Simão, na Folha de São Paulo em 1/10/1991. “E a melhor piada do fim de semana foi a do Chico Anysio na ‘Escolinha do Professor Raimundo’. Um cara tava na frente de uma dessas igrejas de crente e a mulher falou: entre, meu irmão. E o cara responde: ‘não posso, tô duro’”.
Definitivamente, no olhar dos teólogos modernos, mais do que nunca, Deus é cada vez mais capitalista! E ele tem preferência pelos endinheirados, tanto que os trata bem melhor que os pobres coitados. É como dizia Salomão: “Tudo é vaidade”.