terça-feira, 14 de agosto de 2012

Formação superior: aprendendo a fazer ou reproduzindo o que já foi feito?

Oi gente!
Não é fácil chegar a uma reta final. Depois de um longo período nas cadeiras de uma universidade, ouvindo discursos e mais discursos, nós mesmos empreendendo alguns, chegar ao último semestre, vésperas de despedida da vida acadêmica, pelo menos nessa primeira fase dela, é algo que muito nos alegra, mas, também, nos faz refletir. E quando assim fazemos, alguns questionamentos surgem imediatamente: aprendemos o que nos foi dito e repetido inúmeras vezes, através de aulas expositivas, seminários e cansativas leituras? Seremos protagonistas a partir de agora ou repetidores de teorias antigas  e extremamente vasculhadas por tantos e tantos que estiveram ali antes de nós? O que este grande número de páginas lidas, estudadas, resenhadas, criticadas poderá colaborar para nos fazer pessoas diferenciadas em uma sociedade já brutalmente heterogênea em amplos sentidos? São perguntas que imediatamente nos fazem olhar para trás e pensar: como conduzi ou foi conduzida a minha formação nesse espaço acadêmico? Como foi minha relação com a instituição, com os professores, com os colegas, com as disciplinas? Passiva diante do que foi colocado para mim, ou ativa diante das dúvidas que surgiam no cotidiano? Como me portei diante da possibilidade de adquirir e produzir conhecimento? Conservador-regressivo no sentido de não correr riscos e dar-se por satisfeito em repetir o que já foi posto? Ou reformista -progressista no sentido de buscar algo novo, o inédito, com o objetivo claro como vimos em Movimentos Sociais de contribuir para melhorar a estrutura acadêmica com a qual convivemos? Ou será que nos contentaremos com aquela máxima onde não importa o que penso, mais vale o que o teórico “fulano de tal” de um século remoto afirmou?

Recebi um texto enviado pelo professor Nelson Tomazi e que também está no Facebook que remete a estas questões. Intitulado "Coronelismo Intelectual" autoria da filósofa Marcia Tiburi e que foi publicado inicialmente na Revista Cult, no portal UOL, que vale muito a pena lermos. Tantos os colegas que iniciam sua reta final neste semestre como para os colegas que seguem seu caminho rumo à conclusão de um curso que aprendemos a gostar e que sem dúvida alguma, pode muito contribuir para que sejamos pessoas ainda melhores, pois penso, é isto que buscamos. Como também, aos docentes, responsáveis para nos indicar o caminho do conhecimento e que também, algumas vezes, eles mesmos caem na tentação de continuar reproduzindo uma educação retrógrada, bancária, onde o estudante não consegue ser protagonista, é apenas um aluno, no sentido etimológico da palavra, “sem luz”. Boa leitura e boa reflexão para tod@s!

Eis o texto:

Podemos chamar de “coronelismo intelectual” a prática autoritária no campo do conhecimento. Este campo é extenso, começa na pesquisa científica universitária e se estende pela sociedade como um todo, dos meios de comunicação ao básico botequim onde ideias entram em jogo.
Coronelismo intelectual é a postura da repetição à exaustão de ideias alheias. A reflexão só atrapalharia, por isso é evitada.
Encarnação de prepotente eloquência, o paradoxo do coronelismo é alimentar uma ordem coletiva de silêncio em que o debate inexiste, o culto da verdade pronta ou da ignorância é a regra, bem como a apologia ao gesto de falar sem ter nada a dizer, que culmina no discurso tão vazio quando maldoso da fofoca, versão popular do eruditismo.
Não há muita diferença entre a mesa de bar e a mesa-redonda dos acadêmicos parafraseando qualquer filósofo clássico apenas pelo amor ao fundamentalismo exegético.
Enquanto todos falam sem nada dizer, ajudados pelo jornalista que repete o que se entende pela sacrossantificada “informação”, mercadoria da contra-reflexão atual, os coronéis podem comentar que os outros é que não sabem nada e praticar o “discurso verdadeiro” em seus artigos estilo “mais do mesmo”, moedinha cadavérica com que se enche o cofrinho das plataformas de medição de produtividade acadêmica em nossos dias.
O coronelismo intelectual infelizmente segue forte na filosofia e nas ciências humanas, na verdade dos especialistas, tanto quanto na dos ignorantes que se separam apenas por titulação ou falta dela. Professores e estudantes, sábios e leigos, todos se servem metodologicamente dos frutos dessa árvore apodrecida. A prática do pensamento livre que se autocritica e busca, consciente de sua inconsciência, seu próprio processo de autocriação talvez seja a contraverdade capaz de cortá-la pela raiz.
Intelectual serviçal
Eis a cultura do lacaio intelectual, do bom serviçal sempre pronto à reprodução do mesmo. Nela, a boa ovelha especialista em assinar embaixo as verdades do senhor feudal que um dia as emitiu num ritual de sacralização já não é fácil de distinguir do lobo. A semelhança entre o puxa-saco, o crente e o líder paranóico que o conduz revela a verdade do mimetismo. Os seguidores dos líderes, de rabinho entre as pernas, latem para mostrar que aprenderam bem o refrão.  Abanam as asas ao redor da lâmpada esperando que ela também fique onde está, do contrário não saberiam o que fazer.
As consequências do coronelismo em um país de antipolítica e anti-educação generalizadas como este é algo ainda mais grave do que o medo de pensar. É o fato de que já não se pensa mais. A ausência de debate não é medo de expor ideias, mas a falta delas. Inação é o corolário da impossibilidade de mudar, porque o campo das ideias onde surge a vida já foi minado. O coronel ri sozinho da impossibilidade de mudanças, pois ele ama a monocultura enquanto odeia o cultivo de ideias diferentes ou de ideias alheias. O autoritarismo intelectual não é feito apenas de ódio ao outro, mas da inveja de que haja exuberância criativa em outro território, em outra experiência de linguagem. Conservadorismo é seu nome do meio.
Coronelismo não é simplesmente a zona cinzenta onde não podemos mais distinguir o ignorante do culto, mas a política generalizada introjetada por todos – salvo exceções – pela letal dessubjetivação acadêmica da qual somos vítimas enquanto algozes e que, no campo do senso comum, surge como robotização e plastificação das pessoas entregues como zumbis aos mecanismos do nonsense geral, que, é preciso cuidar, deve ser aparentemente desejável pela liberdade de cada um.
Contra a escravidão intelectual somente um contradesejo pode gerar emancipação. A prática da invenção teórica, a liberdade da interpretação e de expressão nos obrigam a ir contra os ordenamentos da ditadura micrológica do cotidiano, em que a lei magna reza o “proibido pensar”. A direção, como se pode ver, parece que só se encontra, atualmente, no desvio dos caminhos dados.

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