terça-feira, 13 de dezembro de 2016

A TEOLOGIA DOS CONTRASTES

Na última sexta-feira (09) por um acordo com os familiares, precisei abrir mão do último dia do IX SECISO - Seminário de Ciências Sociais da UESC - para conduzi-los até o povoado de Capoeiruçu-BA onde aconteceria a formatura do cunhado que concluía o curso de teologia no IAENE, Instituto Adventista de Ensino do Nordeste.

Capoeiruçu é um pequeno vilarejo às margens da BR101, cerca de 300km de Itabuna, próximo a histórica cidade de Cachoeira. O vilarejo se desenvolveu (se é que podemos usar essa palavra para um lugar tão básico) ao redor da atual Faculdade Adventista, esta sim, uma instituição que cresce em bom ritmo à medida que a mesma aumenta o leque de cursos oferecidos, que diga-se de passagem, não são nada baratos.  Atualmente são 11 os cursos oferecidos, o mais barato deles é o Secretariado Executivo cuja mensalidade não sai por menos de R$443,70 já com o desconto de 10% segundo o site www.adventista.edu.br. O curso mais caro é o de Odontologia que custa cerca de R$2.470,00 segundo o mesmo site.

A faculdade está construída em uma enorme área - seu terreno é certamente maior que toda a área habitada do povoado - é a joia do adventismo no nordeste e uma das mais importantes instituições de ensino adventista no Brasil, ali está instalado o SALT - Seminário Adventista Latino Americano. O sonho de muitas famílias adventistas é enviar para lá seus filhos, sempre filhos e nunca filhas, já que quase (quase é generosidade) não há espaço para o trabalho de mulheres no que é denominado de "O ministério" e com isso querem a alegria de poder ter entre seus familiares um "pastor adventista" um sujeito que posteriormente poderá compor a oligarquia de uma comunidade que se desenvolve com as características próprias de uma teocracia - tema para outras conversas.

A formatura é algo especial e não poderia deixar de ser. A membresia se desloca de diversas localidades do Brasil para assistir a festa que chega a durar 3 dias. Em um templo com uma estrutura esquisita (pelo menos passa longe de parecer um templo e sim um centro de convenções) no centro do campus, com capacidade para aproximadamente 2 mil pessoas, estas se apertam para ver filhos, primos, sobrinhos, receberem o laurel de pastor, algo que não garante o ingresso imediato na "obra", precisam aguardar "o chamado" que ocorre depois de um intenso e as vezes subjetivo processo de escolha, que vai desde a idade, a situação conjugal, histórico na igreja de origem, capacidade de liderança, retórica, amizades e contatos dentro da instituição. Depois desse processo, o candidato a pastor recebe o desafio de assumir um "distrito pastoral" ali, ele deve mostrar serviços em duas frentes básicas, aumentar o número de fiéis e a quantidade de dízimos arrecadados, após mostrar o sucesso esperado ele é "ordenado pastor" e aí sim, assume definitivamente o papel de líder espiritual da igreja.

Este é um breve relato de como ocorre o processo de "pastorialização" de um fiel da Igreja Adventista. Importante dizer que este não é um curso para qualquer pessoa, para ingressar ali, o indivíduo precisa primeiramente ser adventista, depois passar por um processo de análise comportamental ou ser indicado por um dos pastores líderes da igreja. Nesse sentido, a teologia adventista é exclusivista, fechada, e está a serviço somente das igrejas adventistas não sendo reaproveitada com facilidade (caso o chamado não ocorra) em outros segmentos da sociedade, dado seu caráter etnocentrista.


Pois bem, algo me chamou a atenção grandemente nesses 3 dias que passei em companhia de familiares naquele lugar quente e inóspito, onde quase nada se encontra, especialmente no sábado, quando quase todos os estabelecimentos comerciais são fechados pois não há clientes, por motivos óbvios. O que vi ali foi algo que nós sociólogos não conseguimos ver com naturalidade.


 Conduzido à casa que ficaríamos durante a nossa estadia, fiquei impressionado com a situação das moradias do lugar, a sensação era de que estávamos em um assentamento dos tempos de Antônio Conselheiro, acredito até que na Canudos de então, dado o contexto, a dignidade humana era mais respeitada. As "casas", doadas por um destacado empresário adventista baiano a mais de 25 anos, parecem nunca terem recebido sequer uma nova pintura. A chamada "Vila dos Teologandos" que recebe esse nome por conta de historicamente abrigar os alunos do curso de teologia, nada mais é do que um lugar abandonado, esquecido, ignorado. Somente duas das 30 casas do lugar tinham recebido uma reforma, as demais estavam às moscas, mergulhadas na escuridão do abandono.
Os estudantes que para ali vão, em sua maioria, tem origem humilde, eles não têm condição de pagar um aluguel nas poucas casas no vilarejo em melhores condições, construídas por empreendedores, em sua maioria adventistas, que aproveitam a presença da faculdade para alugar seus imóveis por nada menos que R$600,00.
Os adventistas humildes que sonharam e conseguiram ingressar na faculdade torcem para conseguirem uma dessas casas abandonadas e ainda assim pagarem cerca de R$300,00 para a instituição, sim, não é de graça, aliás, nada no IAENE é de graça, tudo tem seu preço, tudo requer uma contribuição. 

Para o pobre estudante de teologia pagar uma mensalidade de R$849,00 ele precisa ralar, dar a sua contribuição, a maioria aceita ser vendedor de livros da instituição Brasil à fora, durante todo o tempo de duração do curso, as suas férias são dedicadas ao trabalho sofrível denominado "colportagem" e precisam suar muito para conseguir atingir a meta, se isso não ocorrer, ficam em débito com a instituição, sendo "convidados" a abandonarem o curso por falta de pagamento.
Bom, você diria, mas tudo tem seu preço na vida! Sim, é verdade, mas sinceramente, não sei se o preço da dignidade é um preço justo. Aliás, o título desse texto, "A teologia dos contrastes" se deu quando fiz uma investida no campus do IAENE, lá onde tudo parece um lindo lugar, e é, de verdade. Quando visitamos a "Vila dos Pastores" o contraste é eloquente, não parecia que estávamos no vilarejozinho de Capoeiruçu no interior da Bahia, mas sim, em uma cidade americana, daquelas arrumadinhas que a gente vê nos filmes para adolescentes. Casas muito bem construídas, bem pintadas, a maioria com um ou dois carros importados na garagem, alguns jardins bem cuidados, um sonho para muitos estudantes de teologia que chegam ali oriundos das periferias miseráveis das cidades brasileiras, parece até que o contraste ali tão visível é uma espécie cruel de motivacional, do tipo "você pode ter isso aqui basta se entregar de corpo e alma ao nosso propósito".
Na entrada, logo após o portal de boas-vindas da faculdade tem uma placa onde se lê: "Quando você fere um irmão está ferindo Jesus", mais adiante outra que diz: "Quando você faz o bem a outra pessoa, faz o bem a si mesma". Não pude deixar de pensar de como o discurso religioso sempre foi usado ao longo da história para alienar e aprisionar as massas. Estando ali, observando atentamente o comportamento das pessoas, suas falas, os pontos de vistas acerca de si mesmos e do outro, a ideia frágil de irmandade e companheirismo, não é difícil perceber como o individualismo não poupa nem quem acredita que ser cristão pode ser sinônimo de servir. 


O discurso pode ser perfeito, mas a prática está longe de receber o "aprovado" do sagrado, do divino. Parado na entrada da faculdade, na sombra, depois de uma manhã quente entrevistando pessoas, observando o lugar quase ao meio dia, vi crianças saindo da igreja, algumas mães com filhos de colo, outras grávidas, idosos com passos trôpegos caminhando em direção aos seus lares e sob o sol intenso e escaldante do meio dia, via que "irmãos" passavam em seus carros refrigerados, alguns só com dois ou três passageiros, outros com somente um, e fiquei pensando, espera, mas não são irmãos? Não comungam da mesma fé? Que tal oferecer uma carona para um idoso, para uma mãe com uma criança de colo, para uma grávida? Eram tantos carros que acredito que se todos se desprendessem daria para levar boa parte dos irmãos de fé confortavelmente para suas casas que nem era assim tão longe.

No entanto, parece, o individualismo se sobrepõe à condição humana, à qualquer condição, até mesmo a de crentes, discípulos do Cristo que um dia disse: "Amai a Deus sobre todas as coisas e ao próximo como a si mesmo". 

Basta observar que tal ausência de compaixão não está refletida somente entre os membros comuns, ela se estabelece com maior força ainda naqueles que ocupam posições de destaque, que recebem dos fieis humildes a legitimidade da liderança e como posso afirmar isso? Visitem o Instituto Adventista de Ensino, o IAENE, no vilarejozinho de Capoeiruçu - BA, hospede-se na "Vila dos Teologandos", assista um culto na igreja esquisita, em seguida, torça, torça muito para ser convidado para almoçar na casa de um pastor bonzinho e depois volte para a vilazinha de 30 casas dos teologandos a pé, no sol escaldante, certamente, com tristeza, você vai se lembrar que leu esse texto e vai se indignar, a menos que você seja um alienado adventista que pensa que cada um paga pelo mal que faz e que só te resta esperar pelos benefícios do Senhor na eternidade. 

Pois é, pois aqui, no plano terreno, os tais benefícios estão sob a tutela pastoral e eles, ao que parece, já sabem que destino dar ao "trazei todos os dízimos à casa do Senhor!"


2 comentários:

  1. adoro seu relatório! Vou aproveitar seu caso na minha pesquisa! bj Mirjam

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    1. Fique á vontade Mirjan...nossa contribuição tem esse objetivo...bjo!

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