sábado, 21 de abril de 2012

Os ninguéns

As pulgas sonham em ter um cão, e os ninguéns em deixar a pobreza;
que em algum dia mágico a sorte chova de repente, que chova a boa sorte a cântaros;
mas a boa sorte não chove ontem, nem hoje, nem amanhã, nem nunca,
nem uma chuvinha cai do céu da boa sorte, por mais que os ninguéns a chamem
e mesmo que a mão esquerda coce ou se levantem com o pé direito,
ou comecem o ano mudando de vassoura.
Os ninguéns: os filhos de ninguéns, os donos do nada.
Os ninguéns: os nenhuns, correndo soltos, morrendo a vida, fodidos e mal pagos.
Que não são, embora sejam.
Que não falam idioma, falam dialetos.
Que não praticam religiões, praticam superstições.
Que não fazem arte, fazem artesanato.
Que não são seres humanos, são recursos humanos.
Que não têm cultura, tem folclore.
Que não têm cara, têm braços.
Que não têm nome, têm número.
Que não aparecem na história universal, aparecem nas páginas policiais da imprensa local.
Os ninguéns, que custam menos do que a bala que os mata.

                     (GALEANO, Eduardo. O livro do abraços. São Paulo: L&PM. 1991)

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Não deixe de comentar, sua opinião é muito importante.

O BRUTAL E DESUMANO UNIVERSO DAS REDES SOCIAIS - Por Maik Oliveira

Desligue suas redes sociais! A frase pode parecer de um rigor extremo, mas é o que sugerem importantes nomes do Vale do Silício, ex funcioná...