domingo, 24 de abril de 2016

O que há de comum entre Racismo e Orientalismo


(ARTIGO) DEPENDÊNCIA E DOMINAÇÃO
A manutenção da hegemonia


Marivaldo Oliveira da Silva (Maik Oliveira)
Licenciado em Ciencias Cociais - UESC
Pós graduando em Sociologia - UESC

RESUMO

As discussões sobre raça, origem, hegemonia, dominação, têm ocupado a mente de estudiosos que se debruçam em entender os porquês destes fatos. Neste trabalho, apresentamos sob a ótica de dois dos mais preeminentes estudiosos sobre a problemática racial e as relações entre ocidente e oriente, a saber, Carlos Moore e Edward W. Said respectivamente, como se dão essas relações a partir de um contexto histórico. Buscar entender como os grupos hegemônicos agem para continuar dando as cartas é importante para nos situar onde nos encontramos neste universo de discursos, onde o outro prefigura uma imagem construída a partir do desejo de supremacia. O negro e o oriental representam então, esse outro, cuja inferiorização (construída) servem para fortalecer a identidade dominadora. Culminando em um processo de hegemonia que se arrasta ao longo da história.

Palavras-Chave: Orientalismo. Racismo. Sociedade   

 INTRODUÇÃO
        As obras de Carlos Moore (2007) “Racismo e sociedade: novas bases epistemológicas para compreensão do racismo na história” e de Edward Said (1990), “Orientalismo: o Oriente como invenção do Ocidente” propõem um rompimento com a concepção equivocada ou intencional do “Outro”, que é tão difundida e massificada no ocidente. Isto porque, impregnou-se na sociedade ocidental, através da história, conceitos e ideias, que, segundo os autores acima mencionados, fogem grandemente do contexto histórico.
       Moore (2007) nos diz, que esta massificação, referente ao racismo, se dá a partir de uma lógica baseada, quase inteiramente no senso comum, de entender o racismo como algo relativamente recente, a partir da escravização do negro, a cerca de 500 anos. Este pesquisador, através de um embasamento histórico profundo, apresenta uma compreensão mais abrangente acerca do fenômeno em questão. Para o ele,  o racismo existe entre 3 e 4 mil anos e apresenta indícios claros que o mesmo surgiu há 1700 anos A.C. Se Partirmos do tempo atual, seus estudos, portanto, nos apontam para além do “marco zero” do surgimento das ideias racistas, após o surgimento da raça humana, antes de o conceito de raça ser assim compreendido, antes mesmo do negro se ver como negro pois, era o único povo a habitar o planeta, e isto nos remete a milhares de anos, passando pela saída dos humanos da África, aproximadamente 50 mil anos, chegando a lugares de climas mais frios onde, por processo de seleção natural, (cerca de 12 a 18 mil anos), surgem as raças leucodérmicas, pessoas de pele clara.
       Estas raças que não se conheciam, iniciam batalhas duradouras e violentas por recursos, uma vez que o espaço, agora ocupado, se mostrou pobres em itens importantes para a sobrevivência, é quando começam a despejar os negros em lutas desumanas. É neste momento da história que as raças se percebem distintas, basicamente não por diferenças biológicas, mas pelo que é perceptível, as diferenças fenotípicas. Segundo Moore (2007:49), é neste contexto que surge o conceito de raça.
       Já Edward Said (1990), apresenta uma percepção do “Outro” como que de forma construída, intencional. Discute as razões das ideias orientalistas, onde o ocidente observa o Oriente como uma espécie de oposição, onde o primeiro se autodefine superior a partir da imagem do segundo, tido como inferior.
        Muito embora este olhar sobre o Oriente fornecesse material para uma produção intelectual importante para a consolidação do que é e como se porta o Ocidente, o contrário não é verdadeiro, ou seja, da parte do Oriente não houve um “ocidentalismo”, uma produção intelectual que pudesse identificar nos próprios moldes, o ocidental em relação ao oriental. De modo que, segundo Said, toda essa produção intelectual, transformada em ciência, tem um objetivo bem definido: conhecer o outro para agredir, julgar e persistir na dominação e exploração. Concebe então o “Outro” não segundo “sua imagem e semelhança”, mas de o diferente, o oposto, o débil, o inferior, e completamente passível de dominação.
       Para o autor, o orientalismo adiantou-se em representar o Oriente e isto foi feito sem o consentimento dos orientais. A grande gama de conhecimento sobre o Oriente difundido no Ocidente, seus contornos, suas vocações, suas percepções religiosas e políticas, foi feito à margem do interesse daqueles que habitam àquela região do planeta. Como um grande conhecedor de literatura, Said faz uma análise profunda de variados escritores que ele chama de imaginativos, visto que a imersão desses intelectuais no mundo oriental é comprometida por pré-noções advindas de interesses políticos e econômicos da cultura hegemônica ocidental.
       O autor, portanto, apresenta o orientalismo como sendo uma perspectiva visionária do Ocidente em relação ao Oriente, sistematizada em um estudo regularizado, contendo concepções imperativas e preconceitos ideológicos que atingem a linguagem, a cultura, a religião e os modelos de organização política e social do povo oriental em comparação com os mesmos segmentos da sociedade ocidental. Nesta perspectiva, temos então, um sistema de representação intencional, que se encaixa perfeitamente nos interesses de forças políticas que mostram um Oriente enquadrado no modo de ver e interpretar o mundo do Ocidente, que foi, ao longo de séculos, massificado através da literatura, da mídia, do cinema e da política em geral na consciência ocidental.
      As obras aqui relacionadas fornecem boas bases para a interpretação e compreensão de acontecimentos contemporâneos aparentemente distintos, como as lutas dos Movimentos Negros no Brasil e o tão noticiado conflito entre palestinos e Israelitas no Oriente Médio. Distintos mas ao mesmo tempo semelhantes, visto que, em ambos os casos, é possível observar como o outro é decifrado a partir de interpretações, pré-noções e construções históricas que jogam a favor de apenas um lado. Uma realidade que vai se naturalizando ao longo do tempo e se torna a base de práticas políticas, sociais e culturais que dilaceram, ou simplesmente, ignoram o direito do outro existir com igualdade de condições e dignidade. 
      Destacamos neste trabalho uma notícia publicada no site jornaldocampus.usp.br no dia 10 de abril/2015, intitulada: “Movimento negro promove ações para discutir relações raciais na Universidade”, baseada em um vídeo publicado no canal Youtube, postado com o título: “A intolerância do “movimento negro” na USP”. Esta notícia discorre sobre a atuação do grupo “Ocupação Preta”, em uma aula de Micro Economia da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da Universidade de São Paulo - USP.
       Também destacamos o infindável conflito entre israelitas e palestinos que se iniciou no fim do século XIX com a ocupação da antiga Palestina, região que antes pertencia ao império Otomano. Nosso objetivo é, à luz dos escritos dos autores supracitados, entender em parte, tais acontecimentos. Em parte, pois compreendemos ser assuntos complexos e que naturalmente rende trabalhos acadêmicos também complexos, ricos em dados e explicações sobre diversas perspectivas. Mas aqui, pretendemos mostrar que esses acontecimentos têm algo em comum: como a imagem do outro foi construída e assim é mantida ao longo da história e, como esta mesma imagem construída é instrumento de perpetuação para um poder hegemônico que a todo custo inibe ações para a emancipação do outro, reprimindo, na clara intenção de manter o staus quo. 

QUANDO O RACISMO NEGA A SI MESMO: RESISTÊNCIA AOS ESFORÇOS DE MUDANÇA

       Na USP, o dia 16 de março de 2015, uma segunda-feira, foi marcado com um acontecimento que, posteriormente chamou a atenção da mídia, especialmente as mídias sociais online. Jovens negros, integrantes do grupo “Ocupação Preta”, adentraram em uma sala de aula da Faculdade de Economia daquela universidade, onde estava sendo ministradas aulas de Micro Economia e solicitou espaço para discutir ações afirmativas.
       No primeiro momento, um dos integrantes chama a atenção para o que é visível naquela sala e em tantas outras salas de aulas de universidades Brasil à fora, o fato de que a grande maioria dos que ali estavam não era de negros.
       No momento quando o representante inicia discussão sobre a proposta do Conselho Universitário, este é parcialmente interrompido pela professora que chama a atenção para a aula, que considera importante. O representante, no entanto, continua seu discurso, sugerindo que cada unidade da USP tenha a sua opinião sobre como deve ser a entrada alternativa para estudar naquela universidade. Uma luta que, segundo ele, já é travada pelos negros em torno de 20 anos, mas que é feito à portas fechadas, sem que mais pessoas diretamente interessadas tomem conhecimento.
       A proposta de levantar a discussão naquela aula é imediatamente rechaçada pela professora que convida os integrantes do movimento a continuar na sala prestando atenção ou que se retirem para que a aula tenha continuidade. A partir daí, inicia-se uma discussão entre a professora, um aluno da disciplina e outros integrantes do movimento, tendo os demais alunos como expectadores.
       Uma moça então questiona à professora: “então a sua aula é mais importante do que a questão racial?” A resposta não é ouvida, o que se ouve em seguida é um discurso pautado na meritocracia, do tipo “estuda e entra”, ou, “você estudou onde? Em escola de ensino privado?” Uma jovem negra questiona o interlocutor: “quando você for mulher e negra na periferia você me diga se é fácil entrar nesta universidade”. O estudante retruca: “ta bom, não precisa se vitimizar!” É a deixa para falas generalizadas sobre racismo, condições de igualdade, culminando com a fala acalorada de uma das integrantes, afirmando que a USP é uma universidade feita para brancos, uma “universidade branca”.
       Sem discutir se foi certo ou errado os jovens negros interromperem uma aula na USP para levantar seus questionamentos, este episódio nos remete a condição de observação do "outro" como encontramos em Moore (2007, p.33), quando o autor discute a tese de Jean Baechler fazendo referência ao “Outro Total” como alguém que “é de pele negra, de cabelos crespos, de feições “toscas” e habita, simbólica e concretamente, um continente distante, escuro e ameaçador”. Neste caso específico, o “Outro Total” é aquele cujas fronteiras são sociais, ele é diferente e distante do ponto de vista da convivência social e das oportunidades que lhe são conferidas ou a falta delas.
       Uma das perguntas dos integrantes do movimento ao aluno que dizia: “eu só quero ter aula de Micro Economia”, foi: “você quer saber como é ser negro?” Ele responde que não quer saber, que só queria ter a aula dele. Aparentemente, não interessava ao referido aluno saber o que é e como é “ser negro”, aliás, a pergunta está carregada de significados, nela está inserido todo um contexto histórico, que remete a compreensões distorcidas da realidade do negro, que desemboca em questões culturais, religiosas, políticas, que segundo Moore nem é tão recente como foi e tem sido propagado, mas, trata-se de uma construção que se inicia a partir do momento em que os povos se percebem diferentes, Moore (2007, p. 49) afirma que:

 “A pretensa “superioridade” genética que certas raças ostentariam sobre as outras, não passa de ser uma construção da consciência que, por razões ainda indeterminadas, originou-se em certas populações e em épocas que, logicamente, tiveram de ser posteriores ao período em que efetivamente acontecera a diferenciação racial dentro de uma humanidade até então consistentemente melanodérmica”.

       No episódio da USP, ao minimizar naquele momento a necessidade dos jovens negros em discutir a problemática da falta de oportunidades no que tange ao acesso naquela universidade, a professora se reveste do discurso imediatista, do tipo: “tudo bem, mas nesta aula não, preciso dar aula, mas vocês podem marcar outro horário”. Esta posição da discente foi interpretada como sendo uma desconsideração, ou mesmo uma manobra para que a discussão não aconteça. Foi para os jovens negros militantes ali presentes, um exemplo prático da falta de oportunidade e da diferenciação de raças que acontece ao longo da história. Ou seja, estampa-se diante deles um descaso que leva ao questionamento: “então a sua aula é mais importante que a questão racial?”
       Em uma das falas do estudante que questiona “a invasão” à sala de aula, há a afirmação de que estudou em escola privada e que seu pai, trabalhou muito para pagar seus estudos e ele estava ali por mérito. Exatamente o discurso contraposto pelo grupo militante que, segundo o seu manifesto, percebe o vestibular da USP como um filtro social e racial. Para eles, o vestibular da USP favorece exatamente filhos e filhas de famílias abastadas que têm condições de estudar em uma escola particular onde a qualidade da educação mostra-se superior a de escolas públicas e que, geralmente, é nestas últimas que se encontra a grande maioria de jovens negros e pardos oriundos de famílias que vivem em condições materiais inferiores às da população branca.
       A reportagem ainda informa que, segundo dados do IBGE (2010) o rendimento médio da população branca é de pouco mais de R$1.500,00, enquanto que da população negra, chega aproximadamente a metade disto, cerca de R$830,00. Neste ponto, é possível perceber o que Moore (2007) denomina de “sistema de poder total”, um sistema que não se restringe a uma ou outra esfera das relações humanas, mas efetivamente em todas aquelas esferas que são a base da construção da sociedade, vejamos:

Sistema de poder total, cujas formas de dominação e de opressão conseguem abranger todas as esferas estruturantes da vida social, o racismo goza de uma extraordinária transversalidade. Concretamente, o racismo implica a seguinte situação: a supremacia total de um segmento humano que se autodefine como raça sobre outro segmento humano. Essa supremacia se expressa por meio de uma hegemonia irrestrita tanto no plano material (poder econômico e político) quanto no plano psicocultural (sentimento de superioridade). (MOORE, 2007, p. 225)

      No bojo destas esferas estruturantes estão: a economia, a educação e a política que, como bem sinalizado pelo autor, estão sob o poder de um segmento social hegemônico. É para manter este status quo, que tal segmento dinamiza as relações sociais e que se articula de tal modo que dificulta uma mudança de realidade. Neste sentido, até mesmo o racismo é visto como algo que inexiste, esta negação se dá a partir do momento em que suas práticas são naturalizadas, dando a enganosa ideia de que não há racismo, pois as coisas são como são e devem continuar assim. Moore (2007, p. 256) diz que:
“As ideologias racistas são abrangentes na medida em que o racismo também é abrangente; na vida cotidiana, ele não aparece mais como um corpo estrangeiro, identificável, chegando a ser fácil negar a sua existência. No seu ponto mais alto de sucesso evolutivo, o racismo, como forma de consciência grupal, não aparece mais como racismo e, até mesmo, se nega como tal. É essa característica de poder se “negar a si mesmo” que lhe confere tal plasticidade e resistência aos esforços de mudança”.

      Observando bem a discussão na USP, podemos ver claramente essa negação da existência racista na fala de um dos alunos da disciplina Micro economia quando diz: “na escola que estudei (particular) também tinha negros, ou, tem “um cursinho de redação aqui na USP para vocês” ou “marquem uma reunião em outro lugar e quem quiser cola lá”. Ou seja, “de que racismo vocês estão falando?”
       Conclui-se então que a luta pela emancipação do "outro", neste caso, do indivíduo negro em uma sociedade baseada na supremacia racial encontra seu algoz, segundo Moore, no Pacto Social constituído por ideologias racistas, que viabiliza a dominação e exploração do outro em uma sociedade multirracial.

A CONSTRUÇÃO DO OUTRO: ORIENTAL PARA OCIDENTAL VER E CRER 
   
      Este olhar sobre o "outro diferente” tem caracterizado as relações humanas ao longo de um grande espaço de tempo. Segundo Moore (2007), não se trata de um caso isolado, ou de uma única origem, o racismo surgiu em lugares distintos e sem conexões diretas. 

Há também outro modo de relação de supremacia de um povo sobre o outro que, como acontece entre leucodérmicos e melanodérmicos (brancos e negros), se baseia na falsa ideia de supremacia de uma raça sobre outra. A diferença é que, esta hegemonia se dá a partir da construção do "outro"por meio de um estudo intencional, permeado de afirmações imperativas, de uma perspectiva unilateral e preconceitos ideológicos, tudo isto para um fim específico, conhecer para dominar e explorar.

       Referimos-nos ao orientalismo, abordado por Edward Said, intelectual que se esmerou em entender as relações entre o Ocidente e o Oriente e identificou como o orientalismo, através de representações da vida oriental, construiu consensos que acabam por legitimar todas as investidas - danosas como são - dos americanos no Oriente Médio. É bom salientar, no entanto, que as investidas de cunho exploratório se dão a partir de uma relação, que segundo Said, fundamenta-se em uma hegemonia complexa que não é apenas algo do acaso, mas planejado, pensado para ser o que exatamente é, vejamos:
O orientalismo, portanto, não é urna fantasia avoada da Europa sobre o Oriente, mas um corpo criado de teoria e prática em que houve por muitas gerações considerável investimento material. O investimento continuado fez do orientalismo, como sistema de conhecimento sobre o Oriente; uma tela aceitável para filtrar o Oriente para a consciência ocidental, assim como esse mesmo investimento multiplicou – na verdade, tornou realmente produtivas – as declarações que proliferaram a partir do Oriente para a cultura geral. (SAID, 1990, p. 18)

       Esta construção do Oriente pelo Ocidente é um esforço continuado, ininterrupto, que não se presta ao trabalho de rever ideias, conceitos, interpretações, mas massifica-se, repetindo suas práticas e suas concepções, como um ciclo de ações onde o "outro" é sempre pormenorizado, passível de dominação e de exploração, cujos dominadores possuem as mesmas características, os mesmos intentos e estão no topo da preeminência política, econômica e social.
       Said (1990) aponta para um longo período de dominação, aliás, o que é mais temido do orientalismo, segundo o autor, é a sua durabilidade, a continuidade de um processo de colonização que vai além da exploração econômica, mas da construção de uma imagem do outro deplorável e desumana que se perpetua e se fixa nas mentes ocidentais geração após geração. Said (idem, p. 14) nos diz que o orientalismo fora criado para fortalecer a própria identidade cultural europeia ao comparar-se com os “inferiores” orientais, ou seja, “o orientalismo é um discurso – a cultura européia ganhou em força e identidade comparando-se com o oriente como uma espécie de identidade substituta, subterrânea, clandestina”. Neste sentido, o outro deve seguir-se como inferiorizado, desprovido de qualquer atributo nobre para que o dominador continue a proclamar e acreditar na sua superioridade.
      A partir deste olhar, podemos analisar a parceria entre Israel e Estados Unidos. Israel então como um departamento ocidental incrustado no Oriente, com um álibi altamente convincente, ou seja, a sua segurança e manutenção do seu Estado localizado em uma área como gostam de propagar “altamente vulnerável e explosiva”, por fazer fronteiras com “países árabes bárbaros” que não se sensibilizam com a população civil, que não se importam com a morte de crianças inocentes e que não conseguem entender o real sentido da “shalom”, situação que os aliados (Israel e EUA) estão a todo o momento propondo. São os “perturbadores de Israel” que devem ser contidos, dominados, colocados em seu devido lugar, ou seja,
(...) se o árabe ocupa bastante a atenção, é como um valor negativo. Ele é visto como um perturbador da vida de Israel e do Ocidente, ou, em outra perspectiva da mesma coisa, como um obstáculo superável à criação de Israel em 1948. Qualquer história que esse árabe tenha é parte da história que lhe é dada (ou retirada: a diferença é pequena) pela tradição orientalista. (SAID, 1997, p. 290

       Vejamos então, como isto acontece na atualidade. Em março de 2015, foram (antecipadamente) realizadas as eleições em Israel. O primeiro Ministro Benjamin Netanyahu, contrariando as pesquisas, surpreendeu e conseguiu se manter no cargo, apesar de, claramente, não receber apoio dos governistas americanos, os democratas.
       O que chama a atenção neste episódio é que, antes da eleição, no dia 3 de março, Netanyahu se dirigiu ao congresso americano, naquele momento, composto quase que inteiramente por republicanos, e chamou a atenção dos políticos para os riscos da aproximação com o Irã e do acordo proposto pelo presidente Barack Obama com o país árabe, com respeito ao enriquecimento de urânio e seu programa de energia atômica. Claro que por detrás dessa visita de Netanyahu estava também a tentativa de nivelar as políticas israelitas e americanas, especialmente com o povo palestino. Políticas estas que recebem críticas constantes do governo americano que, inclusive, sinalizou a diminuição do apoio a Israel, por entender que suas investidas dificultam ainda mais o tão debatido processo de paz na região.
       O presidente norte americano já se mostrou a favor de que, todas as tratativas de negociações de paz na região aconteçam de modo igualitário politicamente, ou seja, que seja reconhecido o Estado Palestino e que os dois Estados negociem suas ações em igualdade de condições. Apesar disto, Netanyahu declarou, horas antes das eleições, que “Os que querem a criação de um Estado palestino e uma retirada [israelense] dos territórios [os assentamentos] abrem o caminho para os ataques de extremistas islamitas contra o Estado de Israel”. Este posicionamento do líder judeu agradou os oposicionistas do governo Obama, foi aplaudido pelos republicanos que acusam seu governo de fraqueza nas relações internacionais.
       Dentre estas “fraquezas internacionais” estão a reaproximação com Cuba, a própria possibilidade de reabertura de negociações com o Irã, travadas desde 1979, as investidas para que seja reconhecido o Estado Palestino como forma viável de estabelecimento da paz naquela região.
       O mundo inteiro acompanha esse posicionamento de Barack Obama com certa estranheza, por se tratar do presidente da maior nação imperialista da terra. O que não é de estranhar é o posicionamento dos seus opositores, que vêem nestas iniciativas uma ameaça à hegemonia americana. Uma hegemonia que segundo Said (1997, p.19) “confere durabilidade e força ao orientalismo”.   Este episódio demonstra com clareza, como a possibilidade de perda desta hegemonia assombra as nações dominadoras. De modo que, a ascensão do outro, o reconhecimento dos seus direitos, o respeito às diferenças que, de alguma maneira contribuiria para diminuir a desigualdade, não interessa aos grupos hegemônicos.
      Sendo assim, para que esta mudança de realidade seja contida, faz-se necessário a insistência na demonização do Outro, na contínua promessa de pacificação (Israel e Palestina) sem a concretização de fato, ou mesmo investidas armadas injustificáveis no único objetivo de conter qualquer tentativa de “virada de mesa”, ou seja:
Um quarto dogma é que o Oriente, no fundo, ou é algo a ser temido (o Perigo Amarelo, as hordas mongóis, os domínios pardos) ou a ser controlado (por meio da pacificação, pesquisa e desenvolvimento, ou ocupação pura e simples sempre que possível). SAID, 1990, p. 305

      Assim, construindo um pensamento aparentemente irrefutável sobre o Outro, segue a ideia de completa dependência de um poder hegemônico para a continuação da sua própria existência como povo e pior do que isso, a perpetuação de um domínio que como já foi dito, ultrapassa a barreira da exploração econômica e reduz um povo tido como “diferente” à condição de inferior.

 CONCLUSÃO

       A manutenção deste status quo, é a grande sacada do orientalismo. Isso explica, por exemplo, a aparente dificuldade de se rever os conceitos construídos, as concepções demonizadas e estereotipadas sobre o Oriente que continuam dando as cartas nas diversas áreas da vida social, desde a política, a economia, a religião, a cultura. Não há aspecto das relações humanas que não estejam impregnadas de preconceitos construídos a partir de uma lógica: a construção do Outro a partir de uma ideia de supremacia. A ideia de que, é a partir de como vejo e interpreto o outro que construo a minha própria imagem.
       A partir da leitura de Moore e Said, concluímos que, tanto negros como orientais serviram de parâmetros para esta construção de superioridade de um povo sobre o outro, considerando negros e orientais como “diferentes”, passíveis de dominação e exploração. Destes foram desconsiderados seu mundo, sua cultura, sua interpretação da vida, seus valores éticos e morais, todas estas coisas perdem valor diante da “superior cultura” de uma determinada “raça”, de uma determinada nação.
       A mudança desse sistema de dominação encravado nas mentes do dominador e também de boa parte dos dominados, consiste em um desafio sem precedentes. Todas as tentativas para a construção de um mundo mais justo e igualitário parecem perder força quando para isso é necessário que o outro lado ceda uma mísera parte dos seus privilégios, mesmo do seu tempo, para ouvir quão diferente são as gentes, no que diz respeito à educação, a condições de vida, economia, acesso à saúde entre outros direitos basilares que, como é sabido, é mais para uns e menos para outros.
       Vimos isto no caso da tentativa de diálogo dos jovens negros na Universidade de São Paulo-USP. Vinte anos tentando dialogar, vinte anos tentando ser ouvidos, e a única maneira de ser notado é subvertendo a ordem. Como condená-los? Como acusá-los de desordeiros? Está ali, em suas mentes, bem vivas, todas as injustiças a eles praticadas, todas as limitações a eles impostas, todo os desrespeitos à sua cultura, à suas vidas. Parem de nos matar! Foi com esta frase que uma das militantes do grupo “Ocupação Preta” começou sua fala naquele dia na sala de aula da USP. Esta é uma verdade desconcertante quando observamos os registros de morte no Brasil. Lá está a maioria negra. É o mesmo que as famílias árabes proclamam cada vez que uma bomba assassina cai em suas casas na calada da noite, matando suas crianças, seus idosos, destruindo seu futuro. Tudo isto em nome de que? De uma hegemonia, de um controle que, para uma maioria de privilegiados deve continuar.
       Fica então a triste constatação de que, segundo os ditames de determinados segmentos humanos, o Outro deve ser controlado para sempre, a sua liberdade total representaria um perigo para as suas pretensões. Representaria a igualdade de poder, de direitos, de realização pessoal. Igualdade na ocupação de funções nos espaços sociais. Uma realidade que os setores hegemônicos farão de tudo para impedir que aconteça. Assim como foi no passado, também é assim no presente. Esperamos que as nossas lutas e processos de conscientização, especialmente a partir de conhecimentos e pesquisas produzam um futuro favorável a todos os humanos, sem distinção.

REFERÊNCIAS

EDITORIAL EL PAÍS.  Duplo Oportunismo: Netanyahu e os republicanos utilizam a negociação com o Irã com fins eleitorais. Disponível em <http://brasil.elpais.com/brasil/2015/03/03/opinion/1425410826_071407.html> Acessado em 03/mai/2015


Jornal do Campus. Movimento negro promove ações para discutir relações raciais na Universidade.Disponível em <http://www.jornaldocampus.usp.br/index.php/2015/04/movimento-negro-promove-acoes-para-discutir-relacoes-raciais-na-universidade/>Acessado em: 02/mai/2015


MOORE, Carlos. Racismo e Sociedade: novas bases epistemológicas para entender o racismo. Belo Horizonte: Mazza, 2007


SAID, Edward W. Orientalismo: O oriente como invenção do Ocidente. São Paulo: Companhia das Letras, 1990

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